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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

AVC- Acidente Vascular Cerebral

Introdução ao AVC

Acidente vascular cerebral é o nome médico da doença que é conhecida popularmente como derrame. O
acidente vascular cerebral ou acidente vascular encefálico ocorre quando há algum tipo de lesão nos vasos cerebrais ocasionando dano a partes do cérebro. Não se sabe bem a origem precisa da palavra derrame nem porque deixou de ser utilizada na prática médica, mas ainda o nome popular da doença e como ele é conhecido pelas pessoas. O nome acidente vascular cerebral, por outro lado, é totalmente inadequado e deveria ser abandonado por que um derrame é tudo menos um acidente.
Trata-se de doença com aparecimento súbito, mas com fatores de risco conhecidos sendo o principal deles a hipertensão arterial sistêmica mais conhecida como pressão alta. As conseqüências do derrame são muitas vezes para o resto da vida, como as deficiências motoras, com paralisia de partes do corpo principalmente braços e pernas.
O derrame já era conhecido desde a Grécia Antiga com o nome de apoplexia, palavra grega que significa “golpeado com violência”. No latim, a palavra apoplexia foi adaptada com o significado de “fulminado”. No século 16, na Inglaterra, a expressão que se usava era “stroke of God´s hands”, mostrando que nos tempos antigos o derrame era visto como uma doença causada pelos deuses sem possibilidade de tratamento pelos médicos. O nome em inglês “stroke” vem do verbo “strike” (derrubar) e significa “derrubado”, mostrando um dos efeitos da doença.

Mas, afinal, o que é o derrame?

O derrame é um tipo de doença cardiovascular chamado de doença cerebrovascular, que pode ser causada por vários fatores de riscos diferentes. Ela começa com uma alteração neurológica que acontece de repente ou que evolui rapidamente. A alteração neurológica pode ser variada de acordo com a região do cérebro que foi acometida.
O quadro mais conhecido é uma perda de força de um lado do corpo que pode incluir braços, pernas e face. Normalmente, como a musculatura do outro lado do rosto está normal, a rima da boca se desvia para o lado do rosto que não está paralisado. Esse quadro é descrito no exame neurológico como hemiplegia direita com desvio da rima bucal para a esquerda, por exemplo.
Dependendo da região do cérebro que foi comprometida, o quadro clínico muda. Um acidente vascular cerebral de tronco, por exemplo, pode deixar a pessoa imóvel para sempre. Outros podem levar a importantes alterações da sensibilidade.

AVC isquêmico

O Acidente Vascular Isquêmico pode ser causado por uma trombose de uma artéria cerebral de pequeno ou de grande calibre. A trombose em geral acontece na região da artéria que tem uma placa de aterosclerose. O acidente vascular cerebral isquêmico também pode ser causado por um êmbolo. Se a pessoa tiver uma placa de aterosclerose em uma das artérias carótidas, que são as artérias que levam o sangue oxigenado do coração para o cérebro, pode-se soltar um pedacinho da placa de ateroma que migra na circulação cerebral até que ele entupa um vaso. Os tecidos que receberiam o oxigênio por esse vaso morrem e essa parte do cérebro pára de funcionar. Dependendo do tamanho do êmbolo, pode ser uma artéria de pequeno ou grande calibre que fica obstruída.
Outro jeito de causar um acidente vascular isquêmico por êmbolo é quando, por exemplo, uma pessoa tem um infarto do miocárdio. O infarto do miocárdio provoca a morte de uma parte do músculo do coração que deixa de se contrair. O sangue parado perto dessa parede do coração que não se contrai pode formar um coágulo. Um dos segredos do sangue não se coagular é ele estar sempre em movimento. Um pedacinho de um coágulo formado na parede do coração pode migrar pela artéria carótida até entupir um vaso da circulação cerebral.




AVC isquêmico
©2008 ComoTudoFunciona
Imagem da esquerda mostra um AVC isquêmico visto pela tomografia de crânio: a área da lesão é a mais clara do lado esquerdo
 
Às vezes, o vaso da circulação cerebral que ficou obstruído é tão pequeno que nem se percebe qualquer alteração do exame neurológico. Às vezes, a pessoa apresenta alguma alteração neurológica que desaparece antes de 24 horas porque de algum modo o coágulo que se formou no cérebro se desfaz antes que algum tecido cerebral tenha realmente morrido. Esses casos são chamados de episódios isquêmicos transitórios e representam um aviso importante de que a pessoa deve se tratar.

Fatores de risco do AVC

Os fatores de risco para o acidente vascular cerebral são os mesmos envolvidos com as doenças cardiovasculares. Os principais são:
  • hipertensão,
  • tabagismo
  • dislipidemia, e
  • diabetes
Entretanto, se esses fatores estão todos envolvidos com a doença isquêmica coronariana (infarto), para o derrame o peso da hipertensão é muito maior do que o dos outros fatores. Por isso, controlar a pressão alta é fundamental na prevenção do acidente vascular cerebral.
Doenças que aumentam o risco de sangramento também podem causar acidente vascular cerebral. É o caso, por exemplo, de uma deficiência de plaquetas. As plaquetas são parte importante do mecanismo da coagulação e a diminuição do seu número pode causar sangramento.
Alguns medicamentos anticoagulantes utilizados no tratamento do próprio acidente vascular cerebral isquêmico também podem aumentar o risco de acidente vascular hemorrágico. Além desses fatores há ainda um componente genético importante na determinação da pressão arterial, que por sua vez é o fator de risco mais importante para o derrame.

Sintomas e diagnóstico do AVC

O quadro da alteração neurológica no acidente vascular cerebral é muito assustador e geralmente o paciente procura o pronto-socorro. A instalação do quadro neurológico costuma ser abrupta ou rapidamente progressiva instalando-se em poucas horas.
Os sintomas podem variar de acordo com a região do cérebro acometida:
  • hemiplegia (não mexer um dos lados do corpo),
  • hemiparesia (mexer parcialmente um dos lados do corpo, às vezes predominando em braços ou pernas),
  • alterações de sensibilidade,
  • afasia (perda da fala).
A eqüência de acidente vascular cerebral aumenta com a idade, sendo raro em pessoas jovens. O filme “O Escafandro e a Borboleta”, que recebeu quatro indicações ao Oscar em 2008, conta a história do editor de uma famosa revista de moda que, após um tipo muito particular de acidente vascular cerebral, só consegue mexer seu olho esquerdo. O personagem se recusa a entregar-se à doença, criando um mundo próprio com a sua imaginação e a sua memória e se comunicando com o mundo externo piscando o olho esquerdo.
Mas ao contrário do personagem do filme, a maioria das pessoas com seqüelas de acidente vascular cerebral fica muito deprimida após um AVC porque ele pode levar à perda total da independência. Outro ponto é que nem sempre o paciente conta com o suporte familiar ou financeiro que seria necessário. Adaptar uma casa para um paciente com derrame é caro e exige projeto especializado. O derrame ocorre com maior freqüência em famílias pobres que, justamente, têm menos possibilidade de fazer as reformas necessárias ou que às vezes moram em favelas onde essa adaptação é impossível. O paciente muitas vezes fica restrito à sua cama.
A irrigação do cérebro provém de duas origens:
  1. As carótidas são artérias que saem da aorta e levam sangue oxigenado para a porção anterior do cérebro, dando origem às artérias carótidas internas, cerebrais médias e cerebrais anteriores. Problemas nesse território costumam causar déficit motor ou sensitivo, dificuldade na articulação das palavras (disartria), déficit de linguagem, outras alterações da função nervosa superior como não reconhecimento de pessoas ou objetos e alterações da visão.
  2. O segundo sistema de irrigação do cérebro é o vértebro-basilar, que dá origem às artérias vertebral, basilar, cerebelares e cerebrais posteriores. Lesão nesse território pode causar também déficit motor ou déficit sensitivo, dificuldade na articulação das palavras (disartria) ou perda da fala (afasia), alterações visuais, alterações de coordenação e alterações de nervos cranianos localizados no tronco cerebral que podem levar à diplopia (enxergar duplo), ptose palpebral (queda da pálpebra fechando o olho), anisocoria (tamanho diferente das pupilas), paralisia de parte do rosto, movimentos rápidos dos olhos (nistagmo), perda da sensibilidade em partes do costo e vertigem (sensação de que você está rodando ou de que tudo está rodando em volta de você).
Quando há lesão do tronco cerebral, parte do sistema nervoso responsável pelos estados de sono e vigília e pelas funções de manutenção da vida, como respirar e comandar os batimentos cardíacos, pode ocorrer diminuição do nível de consciência ou coma.
Quando o paciente conta história de cefaléia muito intensa de início súbito e trata-se de adulto jovem entre os 20-30 anos, o diagnóstico mais provável é o de hemorragia meníngea. Junto com a cefaléia aparecem náuseas e vômitos, tonturas e sinais de irritação meníngea como, por exemplo, rigidez do pescoço quando se tenta curvar a cabeça do paciente em direção ao tronco. Junto com esse quadro podem aparecer também convulsões (ataques), perda de consciência e coma.
Nos casos mais graves pode haver comprometimento das funções vitais como respiração, função cardíaca, controle da temperatura corporal e morte. O quadro da hemorragia meníngea é muito grave.

Diagnóstico





Ressonância magnética
iStockphotos
Ressonância magnética: um dos
­exames que diagnosticam o AVC

Para fazer o diagnóstico de acidente vascular cerebral basta um quadro clínico compatível confirmado pela história que o paciente conta e o exame neurológico. Para ter certeza e confirmar que parte do cérebro foi atingida o exame mais utilizado é a tomografia de crânio. Em alguns casos pode estar indicada a ressonância nuclear magnética.  O exame do líquor pode ser importante nos casos em que a tomografia de crânio é normal e a maior suspeita passa a ser de uma hemorragia meníngea (subaracnóidea). Nesses casos o líquor vem altamente hemorrágico (cheio de sangue) comprovando o sangramento.
Nos casos de hemorragia meníngea (subaracnóidea), a angiografia cerebral digital é ainda o exame mais importante para o diagnóstico de aneurismas cerebrais saculares, dando informações precisas quanto à sua localização, forma e tamanho. Nestes casos, o exame deve mostrar os quatro vasos cervicais que nutrem a circulação intracraniana, possibilitando o diagnóstico de aneurismas cerebrais múltiplos que ocorrem em aproximadamente 20% dos casos.
Além desses exames podem ser feitos outros exames para identificar a causa do derrame. Por exemplo, nos casos de êmbolo de origem cardíaca, é importante fazer um ecocardiograma para ver como o coração está funcionando, e um eletrocardiograma, para ver se há alguma arritmia. Além do infarto, na doença de chagas e na fibrilação atrial, doenças do coração que fazem com que ele bata fora de ritmo (arritmia) podem levar à formação de êmbolos, podendo causar acidente vascular cerebral quando um êmbolo se desprega do coágulo e entope uma artéria do cérebro.

Seqüelas do AVC

O prognóstico do acidente vascular cerebral depende do tipo. O acidente vascular cerebral isquêmico é o que tem melhor prognóstico desde que não comprometa uma área muito grande do cérebro. O acidente vascular cerebral hemorrágico já é muito mais grave, e a hemorragia meníngea (subaracnóidea) é mais grave ainda, com risco de morte mesmo que o tratamento seja implantado de forma rápida e adequada.
É muito comum que o acidente vascular cerebral isquêmico se repita, deixando cada vez mais seqüelas. Uma parte considerável dos episódios pode evoluir com melhora importante após fisioterapia, com recuperação da força muscular, e de fonoaudiologia para, por exemplo, corrigir problemas associados à deglutição de alimentos. Esses problemas acontecem às vezes como seqüela do derrame, levando a episódios de aspiração de comida e saliva com aparecimento de pneumonias (o paciente desaprende como engolir alimentos e saliva).
Portanto, para prevenção das seqüelas é muito importante que haja reabilitação, ou seja fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional no suporte ao paciente com derrame. A ausência de reabilitação pode levar a seqüelas permanentes. Nos casos mais graves ocorrem seqüelas mesmo que haja reabilitação, mas ela é sempre útil para minimizar as complicações.

Tratamento do AVC

O tratamento do acidente vascular cerebral inclui o controle dos fatores de risco, como a hipertensão arterial. Outro ponto é iniciar a anticoagulação. Controlar a hipertensão arterial é o principal tratamento preventivo para o acidente vascular cerebral. No indivíduo com um primeiro episódio de acidente vascular isquêmico, ou um episódio isquêmico transitório, estão indicados os antiagregantes plaquetários, medicamentos que inibem a agregação plaquetária que é um dos desencadeantes da coagulação.




Controle da hipertensão
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Controlar a hipertensão é essencial na prevenção do AVC

Os antiagregantes devem ser usados na prevenção de um novo episódio. O mais antigo de todos os medicamentos com ação antiagregante plaquetária é a aspirina. Mas hoje em dia, há várias outras opções como a ticlopidina, o dipiridamol e o clopidogrel. A escolha do medicamento mais adequado para cada indivíduo deve ser feita pelo médico.
Nos casos mais graves de episódios repetidos de acidentes vasculares cerebrais isquêmicos indica-se a anticoagulação com os dicumarínicos. Todos esses medicamentos não podem ser utilizados no acidente vascular cerebral hemorrágico por aumentar o risco de sangramentos.
No acidente vascular cerebral hemorrágico, o ponto mais importante do tratamento é o controle da pressão arterial elevada. Nas hemorragias meníngeas (subaracnóideas), deve-se identificar a posição do aneurisma e o tratamento é cirúrgico.
Assim como existe o tratamento agudo para o paciente com infarto utilizando-se agentes trombolíticos com o objetivo de dissolver o coágulo (estreptoquinase), desde que o paciente chegue ao centro que vai realizar o procedimento com menos de seis horas de dor, há possibilidade desse tipo de tratamento no acidente vascular cerebral.




Remoção de placa da artéria
Remoção de placa de gordura da artéria carótida é um dos tratamentos do AVC
­Em alguns lugares do mundo, inclusive o Brasil, foram criadas as chamadas Stroke Units com o mesmo objetivo das Unidades Coronarianas. Essas unidades são especializadas no tratamento do acidente vascular cerebral, usando protocolos de condutas padronizados que envolvem a participação de equipe multiprofissional no tratamento e no cuidado do paciente. Outro aspecto de maior importância é a possibilidade de ação na fase aguda do acidente vascular cerebral isquêmico com medicamentos que dissolvem o trombo que provocou o derrame.
Além das Unidades Cerebrovasculares criou-se em várias cidades americanas e canadenses o “telestroke”, que permite que neurologistas à distância possam avaliar tomografias e indicar condutas aos médicos de plantão em unidades de emergência e de terapia intensiva que atendam pacientes com acidente vascular cerebral.

Todo paciente que apresente um acidente vascular cerebral deve ficar por um mínimo de 24 horas em observação para que seja possível avaliar se a doença está estacionada ou se está evoluindo para um quadro mais grave. Sempre que possível, os pacientes devem ser internados. Depois da fase aguda, os pacientes podem ser encaminhados para tratamento ambulatorial e para a reabilitação.
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