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domingo, 12 de fevereiro de 2012

O que há de novo em reabilitação neurológica?


Dos games aos robôs, cresce o leque de recursos que contribui para a superação de sequelas neurológicas

As técnicas de reabilitação têm um papel decisivo na reversão ou minimização de sequelas neurológicas como limitações motoras, distúrbios de fala, cognitivos e de memória, entre outros. Exercícios e atividades variadas estimulam a capacidade que o cérebro tem de se reorganizar frente às lesões neurológicas, ativando outras áreas e conexões entre neurônios para desempenhar uma determinada função. Ou seja, o cérebro estabelece outros caminhos para emitir os comandos que nos fazem andar, movimentar as mãos para pegar um objeto ou falar, por exemplo.
As sequelas neurológicas variam segundo o tipo da doença – entre elas AVC (acidente vascular cerebral, conhecido como derrame), tumor cerebral, traumatismo craniano e esclerose múltipla – e a área do cérebro que foi afetada. Até meados dos anos 1950, a crença era de que o cérebro adulto não podia se recuperar e, portanto, não se investia no desenvolvimento de terapias com esse objetivo. “Contudo os estudos e os novos conhecimentos adquiridos colocaram por terra esse mito, mostrando o que se chama de plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade do cérebro de se reorganizar, mudando os padrões de conexão. Embora maior em crianças, essa capacidade existe também em adultos”, afirma a neurologista Adriana Conforto, livre docente da USP, médica do grupo de doenças cerebrovasculares e chefe do laboratório de neuroestimulação do Hospital das Clínicas, e pesquisadora do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE).
A ciência ainda não sabe exatamente como se processam tais mudanças no cérebro. Mas sabe que treinar e estimular as funções afetadas faz toda a diferença. Nesse esforço, uma gama crescente de novos recursos vem se somando às tradicionais técnicas de reabilitação.
Uma das novidades é o exoesqueleto, um dispositivo que o paciente “veste”. Consiste de uma estrutura articulada, que integra motores de atuação e sensores de movimento com funções computadorizadas, e pode ser utilizado como auxiliar automático de marcha, principalmente em casos de paraplegia. Há dispositivos semelhantes que, montados sobre uma estrutura fixa, podem permitir o treino de marcha sobre uma esteira, possibilitando o reaprendizado de um padrão adequado de marcha por repetição. “Por enquanto, não há evidências de que esses dispositivos tragam resultados superiores aos exercícios de marcha feitos na terapia convencional, mas, sem dúvida, são recursos adjuvantes”, afirma a Dra. Sonia Akopian, fisiatra do Centro de Reabilitação do HIAE.
Com relação à reabilitação do andar, há outros recursos em uso, como um suporte que mantém o paciente suspenso pelo seu tronco sobre uma esteira ergométrica, permitindo que ele faça os movimentos espontaneamente para o treino de marcha, com a supervisão de um terapeuta.

A ajuda dos robôs

Os robôs representam outra importante frente de inovação. A partir de estudos do PhD Hermano Igo Krebs, pesquisador chefe em engenharia mecânica do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, a robótica aplicada à reabilitação começou a ser desenvolvida na instituição em 1989. O dispositivo robótico é acoplado ao membro afetado. Ao contrário dos exoesqueletos, os primeiros robôs, desenvolvidos para terapia em membros superiores, dão um “aperto de mão” ao paciente.  O robô não move a articulação continuamente; ao contrário, estimula o paciente a fazer tudo aquilo de que é capaz. Hoje, o recurso é indicado em reabilitação nos casos de AVC e para crianças com paralisia cerebral. Há robôs para exercitar ombros, cotovelos, mãos, pulso e, mais recentemente, tornozelos. “A robótica aplicada à reabilitação é uma ferramenta nova para ajudar o terapeuta a ser mais eficiente e contribuir para o paciente melhorar mais rapidamente”, afirma Krebs.
Por enquanto, segundo ele, os resultados são melhores para os membros superiores. “A terapia com robôs ajuda sempre, mas ajuda mais quando comparada com a terapia convencional para os membros superiores e ajuda menos para os membros inferiores” diz. Até o momento, a técnica recebeu endosso da American Heart Association e do Veterans Affairs apenas para membro superior. O motivo, de acordo com o pesquisador, é que os estudos com membros inferiores ainda são incipientes. “Estamos trabalhando com o objetivo de mostrar que, se feita corretamente, também pode ser positiva para membros inferiores”, informa. Como outros recursos, a proposta dos exercícios com robô é estimular neurônios de outras áreas a realizarem a função que cabia às células afetadas pela lesão neurológica.

O estímulo que vem dos games

A terapia com robôs ajuda sempre, mas ajuda mais quando comparada com a terapia convencional para os membros superiores e ajuda menos para os membros inferiores
Segundo a Dra. Sonia, também ganham espaço as pesquisas envolvendo o uso de videogames, que proporcionam interatividade por meio de dispositivos sensíveis aos movimentos corporais do jogador.  Os jogos podem simular atividades esportivas - tênis, por exemplo –, e o paciente é estimulado a executar os movimentos apropriados. É uma proposta de exercício semelhante a outra inovação: os dispositivos de realidade virtual. Nestes, o paciente coloca um par de óculos especial que simula imagens de objetos que ele deve tentar pegar com a mão debilitada, que utiliza uma luva especial, capaz de sentir os movimentos e posições da mão, interagindo com a imagem nos óculos. Além do exercício que vai estimular o cérebro a ativar conexões para realizar os movimentos, esse tipo de terapia agrega ainda o aspecto lúdico, tornando-a mais atraente e prazerosa para o indivíduo.
Vários softwares desse tipo têm sido desenvolvidos para utilização em terapias de reabilitação de linguagem e até de funções como memória, atenção e raciocínio lógico. Principalmente no caso de crianças e adolescentes, o aspecto motivacional desses games facilita o aproveitamento das sessões.

Estimulação magnética transcraniana

Para pessoas que sofreram derrame (AVC) e tiveram braço ou mão afetados, está em estudo o uso da estimulação magnética transcraniana. Ela é feita com um aparelho especial (uma espécie de bobina apoiada na cabeça do paciente), que gera pulsos que penetram a cerca de dois centímetros em uma pequena área do cérebro. O aparelho pode emitir um pulso único (recurso usado apenas para verificar funcionamento dos neurônios) ou pulsos repetitivos a intervalos regulares (Estimulação Magnética Transcraniana repetitiva - EMTr). A EMTr pode promover mudanças transitórias no cérebro, ativando neurônios de áreas próximas à da lesão ou inibindo a ação em áreas não afetadas.
De acordo com a Dra.Adriana Conforto, estudos em laboratório sugerem que a estimulação pode melhorar o desempenho da mão ou braço debilitado, mas não há resultados conclusivos sobre seus efeitos ou sua duração. Entre as pesquisas com a técnica, há um trabalho realizado no Egito, com 52 pacientes vítimas de AVC. Eles foram divididos em dois grupos e, ao final de dez dias, o que recebeu a estimulação magnética teve resultados melhores do que o que recebeu placebo.
A Dra. Adriana destaca a importância dos estudos visando ao desenvolvimento de novas técnicas voltadas a pacientes que tiveram AVC.  A doença é a principal responsável por mortes no Brasil e, entre os que sobrevivem (de 50 a 75% do total), pelo menos um terço fica dependente de familiares ou cuidadores para executar funções cotidianas. Em torno de 85% apresentam fraqueza no braço e na mão, sendo que os melhores resultados com os tratamentos e técnicas de reabilitação são obtidos nos primeiros meses.
Também muito importantes são as dificuldades de comunicação, que acometem até um terço dos pacientes. “A expectativa de vida cada vez maior da população torna fundamental a evolução de alternativas nessa área, já que os idosos são os principais atingidos pela doença”, diz a neurologista.  Segundo ela, no primeiro ano após o AVC, fisioterapia, fonoterapia e terapia ocupacional são as técnicas mais aplicadas. As possibilidades de reversão das sequelas, porém, vão diminuindo com o passar do tempo. “Pesquisas como a da estimulação magnética transcraniana voltadas a esses pacientes são relevantes para que se possa oferecer outras possibilidades aos pacientes, especialmente após a fase aguda ou para aqueles com maior comprometimento das funções, sempre em conjunto com outras técnicas”, destaca ela. 
Em todo o mundo, o uso da técnica de estimulação magnética transcraniana em pacientes vítimas de AVC ainda está em fase de estudos. Mas em alguns países, como Estados Unidos e Canadá, ela já é adotada no tratamento de indivíduos com depressão.
Nenhuma das novas técnicas – seja as já disponíveis ou aquelas em fase de pesquisa – representa uma fórmula mágica. Mas, associadas aos recursos convencionais de reabilitação, e combinadas segundo o caso de cada paciente, elas reforçam os trunfos para estimular o cérebro. Este, sim, pode fazer a magia de encontrar caminhos alternativos para superar as sequelas de lesões neurológicas.
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